Por que a jornada de Simone Biles até Paris 2024 foi a mais difícil de sua carreira 

Por Scott Bregman
7 min|
Simone Biles celebrates her floor routine
Foto por USA TODAY Sports

Simone Biles sempre fez tudo parecer tão fácil.

Ela estourou no cenário internacional sênior como um fenômeno da ginástica artística que, aos 16 anos, passou de estrela júnior em ascensão nos EUA a melhor do mundo em um piscar de olhos.

“Naquele ponto, eu estava apenas tentando ir lá e fazer meu nome”, revela Biles sobre seu desempenho no Campeonato Mundial de 2013, na série Simone Biles Rising, da Netflix, produzida em colaboração com o Comitê Olímpico Internacional. “Esse foi o primeiro e único Mundial em que fui o azarão.

“Depois de vencer, isso muda todas as expectativas para o resto da sua carreira. É fácil ser o azarão”, continuou Biles. “Agora, toda vez que apareço, espera-se que eu vença.”

E foi isso que Biles fez.

Um segundo título mundial em 2014, um terceiro em 2015. Sua passagem pelos Jogos Olímpicos Rio 2016 terminou com ela no degrau mais alto do pódio quatro vezes, ao conquistar medalhas de ouro por equipe, individual geral, salto e solo.

Até mesmo seu retorno ao esporte depois de um ano sem treinar parecia fácil. Quando ela voltou ao cenário global em 2018, depois de ficar afastada ano anterior, Biles teve seu mundial de maior sucesso: ganhando uma medalha em cada final.

Em 2019, ela conquistou cinco medalhas de ouro no Campeonato Mundial, batendo o recorde que perdurava por 61 anos.

“Na verdade, acho que havia algo de bom em entrar em 2016 às cegas, porque eu não sabia de nada e as expectativas não eram tão grandes como são agora”, disse Biles após sua nona conquista do título dos EUA no início deste ano. “Agora, depois de ter ido a duas Olimpíadas, cada uma delas fica um pouco mais estressante porque sei exatamente o que esperar.”

Esse estresse atingiu Biles em Tóquio 2020, quando ela teve que se retirar da final da equipe feminina e de quatro finais individuais subsequentes para priorizar sua saúde mental – isso enquanto lidava com o que as ginastas chamam de twisties, uma condição em que o corpo e a mente ficam fora de sincronia.

As performances que sempre foram tão fáceis para ela, naquele momento não eram possíveis.

Nos anos seguintes, Biles revelou que o quadro foi causado por uma combinação do trauma decorrente de seu abuso nas mãos do ex-médico da seleção dos EUA, o isolamento causado pela COVID, que impactou os Jogos, e a sensação de que ela tinha “o peso do mundo” sobre os ombros.

O breve retorno de Simone Biles ao esporte estava por vir

Tóquio teve um preço alto para Biles. “Trabalhar cinco anos por um sonho e ter que desistir dele não foi nada fácil”, disse ela a Hoda Kotb, da NBC, enquanto estava no Japão.

Um retorno ao esporte ocupava sua mente, mas dividia espaço também com as dúvidas. Seria fácil ter seu nome novamente como referência no esporte? Ela seria capaz de mostrar a mesma performance, com seus twists inconfundíveis? Simone Biles não tinha certeza.

“Eu não sabia se algum dia seria capaz de competir novamente porque houve vários momentos nesse ano em que eu treinava e pensava: ‘Estou tão cansada dessa busca pela perfeição extrema’, ‘Acho que não quero passar por isso de novo, nunca mais’”, disse em entrevista exclusiva ao Olympics.com antes do Campeonato Mundial de 2023.

Mas ela perseverou, em grande parte graças às companheiras de treino no World Champions Centre, o ginásio de propriedade de seus pais Ron e Nellie Biles.

“Eu estava tipo, 'Quer saber? Vou deixar pra outro dia, e depois outro dia'”, disse Biles. “As meninas do time realmente me ajudaram porque disseram: 'Não, Simone, vamos lá, vamos!, ‘E eu entendi. ‘Ok, vocês estão certas, não posso desistir agora ou terei medo disso para sempre.’”

Simone Biles superou o medo e encontrou uma sensação de conforto ao fazer isso.

“Eu sabia que se me afastasse do esporte poderia pelo menos entrar num ginásio e fazer uma série completa, e estaria bem”, explicou Biles. “Sinto que agora, se eu resolver parar, ainda sou capaz disso, e (saber) ajuda muito.”

Mudanças estavam muito além do ginásio

A terapia também ajudou.

Nos três anos seguintes a Tóquio, Biles fez mais do que apenas liderar o debate global sobre a saúde mental no esporte: ela o colocou em prática.

“Estou fazendo um esforço maior para cuidar da minha mente e do meu corpo, o que inclui fazer terapia uma vez por semana. Geralmente quinta-feira é meu dia de terapia, e tento reservar esse dia para mim”, disse Biles ao Olympics.com em setembro do ano passado. “É muito importante que eu cuide da minha mente tanto quanto cuido do meu corpo, seja no esporte ou fora dele.”

E sua vida fora do esporte também floresceu.

Ela se casou com o safety da NFL Jonathan Owens, que joga no Chicago Bears, em maio passado, em uma cerimônia em Cabo, no México.

O casal vem se apoiando mutuamente ao longo de suas carreiras esportivas, com Biles viajando de um lado para outro e se deslocando de sua base de treinamentso em Houston por diversas ocasiões para acompanhar os jogos do marido. Owens, por sua vez, pôde ser visto marcando presença diligentemente nas arquibancadas enquanto Biles vencia torneios como o US Classic, o US Championships e as US Trials entre maio e junho.

“As pessoas pensam que se você é esposa, não pode ser atleta profissional, não pode ser ginasta, não pode fazer nada, e cheguei à conclusão que posso ser um esposa e estar lá fora”, disse ela.

“Fui casada com a ginástica por muito tempo e agora sinto que tenho tantas outras coisas na minha vida, com a ginástica sendo apenas uma parte do meu dia, porque no final do meu treino eu penso, 'Bem, posso ir para minha casa, para o meu marido, para os meus pets, e antes era: 'treino, treino, treino, treino, treino”.

Paris, do jeito dela

Mesmo que Biles tente garantir que o esporte não seja seu único foco, ela sabe que seu desempenho em Paris estará sob os holofotes. E não importa o que ela conquiste na Cidade Luz: ainda assim não será o bastante para algumas pessoas. “Não importa o que você faça, eles ainda dirão: ‘Oh meu Deus, lá vem de novo. Já lidei com isso há três anos”, disse Biles.

Esse é provavelmente um dos motivos pelos quais Biles evitou falar abertamente de seus planos nos anos que seguiram após Tóquio 2020, chegando a até mesmo condicionar sua participação na seleção norte-americana de ginástica artística como algo “possível”, mesmo quando sobre seu sonho de estar em Paris.

Mas depois de ser convocada oficialmente para a equipe dos EUA nas seletivas no mês passado, ela deixou clara sua missão.

“Esta é definitivamente a nossa turnê de redenção. Sinto que todos temos mais para dar. Nossas apresentações em Tóquio não foram as melhores, também não estávamos nas melhores circunstâncias”, disse ela. “Mas sinto que temos muito peso sobre os ombros para ir lá e provar que somos melhores atletas, somos mais maduras, somos mais preparadas, somos mais consistentes.”

Com sua terceira participação nos Jogos programada para começar em sete dias, Simone Biles assume sua maior e mais difícil tarefa: apagar a memória de Tóquio.

É uma tarefa profundamente pessoal, diz ela.

“Acredito que temos que seguir em frente por nós mesmos, e ninguém mais. "Estamos aqui por nós mesmos, mas também pelo amor ao esporte, pelo amor de representar os Estados Unidos", disse.

É dessa forma que a ginasta vem construindo sua jornada de volta, apoiada nos elementos mais básicos do início para executar com confiança seus melhores triplo twistes e duplos black-flips, certa de que os lugares mais altos em Paris serão dela.

A futura Simone Biles sabe disso também.

"Quando me vejo em dez anos, penso: quero me arrepender de algo? Sempre poderei fazer o que quiser depois que encerrar minha carreira, disse, reflexiva. E completou: "Mas não poderei seguir minha carreira para sempre.”