Henrique Marques: em um ano, do risco de parar a Paris 2024

Por Leandro Stein
9 min|
Henrique Marques veste o uniforme da delegação brasileira
Foto por Alexandre Loureiro/COB

Há um ano, Henrique Marques vivia uma rotina intensa, mas fora do taekwondo. O atleta realizava uma batelada de exames, após a descoberta de uma alteração nos batimentos cardíacos. A arritmia impediu que o jovem de Itaboraí disputasse os Jogos Pan-Americanos de 2023 e botava em xeque até mesmo a continuidade da carreira. Por isso mesmo, um ano depois, sua presença em Paris 2024 soa como milagre. Henrique ficou meses sem poder treinar e passou por uma cirurgia em dezembro, mas assegurou a vaga Olímpica e estreará nos Jogos aos 20 anos.

“Ter essa oportunidade hoje é algo inacreditável para mim, porque passei por todo esse processo”, comentou Henrique Marques, em abril, na época do Pré-Olímpico, durante entrevista ao Olympics.com. "Para mim é uma segunda chance.”

Henrique Marques também terá outro motivo para lutar em Paris 2024: prestar tributo ao pai, seu Ari, falecido em junho. Em viagem para se preparar aos Jogos Olímpicos, o taekwondista sequer estava próximo da mãe e dos irmãos para consolá-los. Apesar do luto, duas semanas depois Henrique já pôde oferecer uma medalha a seu Ari, durante competição universitária na República da Coreia.

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"Eu nunca fui de falar desse cara, mas hoje essa medalha não é só mais uma pra minha carreira, mas sim para homenagear e agradecer por esse cara que é MEU PAI, ter me tornado ainda mais forte…", escreveu Henrique Marques, em suas redes sociais. "Só quem esteve no momento da notícia viu o meu desespero, a minha tristeza, a minha angústia e o meu medo."

"Naquele momento eu pensei em largar tudo e voltar o mais rápido possível para o Brasil, na esperança de que ia dar de tempo de algo, mas infelizmente era tarde e não dava tempo de mais nada, já era, já tinha acontecido e a única coisa que me restava era aceitar a situação", complementou. "Pai esse ouro é pra você." O jovem poderá homenageá-lo também no ápice de sua carreira, ao disputar pela primeira vez os Jogos Olímpicos.

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Cria de um projeto social, Henrique teve encontros decisivos

Henrique Marques cresceu em Porto das Caixas, uma comunidade na periferia de Itaboraí, no interior do Rio de Janeiro. O esporte apareceu em sua vida através de um projeto social, mas a porta de entrada aconteceu por meio do jiu-jitsu. Contudo, o garoto gostava de assistir à equipe de taekwondo e, de tão interessado, acabou convidado para fazer parte dos treinos quando tinha oito anos. Diante das dificuldades financeiras, ganhou até mesmo uma bolsa para custear parte da mensalidade.

“Eu chegava bem cedo para assistir ao treino do taekwondo. Eu ficava vendo os troféus, os quadros da academia. Ficava admirando, sabe? E via o treino de taekwondo em si. Na época eu não entendia muito, via um monte de doido chutando assim, gritando. Foi daí que eu tive essa noção do taekwondo. Nunca tinha vivenciado, mas foi o primeiro contato que eu tive”, relembrou Henrique.

Neste momento, duas referências no taekwondo surgiram no caminho de Henrique Marques. Uma delas foi Iris Sing, representante do Brasil na Rio 2016 e também parte do projeto. Foi ela quem percebeu o gosto do menino pela modalidade e o convidou para os treinamentos. Já o primeiro professor de Henrique foi logo Diego Ribeiro, hoje também treinador da seleção brasileira. Responsável pelo projeto que começou no quintal da própria casa em Itaboraí, foi ele quem incentivou Henrique e lapidou o seu talento.

“Não sei como, mas o Diego sempre viu algo em mim”, diz Henrique. “A gente tem um entrosamento muito bom. Gosto muito do jeito que ele coordena os treinos, da maneira que ele lida com as coisas. Essa conexão que a gente tem é muito boa, desde pequeninho já venho na escola dele.”

Henrique Marques chegou a abandonar o taekwondo e tentou a sorte no futebol. Tinha talento, a ponto de ser convidado para integrar a base de clubes como Botafogo e Grêmio. Contudo, com dificuldades para frequentar os treinos no Rio de Janeiro, o garoto desistiu da bola e, por incentivo da mãe, Rosiane, abraçou de vez o taekwondo. Disputou seu primeiro campeonato nacional de base ao 14 anos e foi campeão. A partir de então, abriu portas na modalidade e ganhou oportunidades. “O taekwondo chegou na minha vida para mudar muita coisa”, aponta.

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A descoberta da arritmia e quatro meses parado

Após ascender nas categorias de base, Henrique Marques começou a fazer seu nome no nível adulto do taekwondo especialmente a partir de 2022. Foi uma temporada decisiva, em que conquistou medalhas em diferentes competições no continente, incluindo a prata nos Jogos Sul-Americanos e o bronze no Campeonato Pan-Americano. Também disputou pela primeira vez o Campeonato Mundial e alcançou as quartas de final na categoria 80kg. Indicava ter um grande futuro pela frente, com apenas 18 anos.

Já os primeiros meses de 2023 guardaram novos resultados expressivos a Henrique Marques, com direito ao ouro em duas competições na Costa Rica e um bom desempenho no Grand Prix de Roma. O grande objetivo de sua temporada era a disputa dos Jogos Pan-Americanos, pela primeira vez na carreira. Todavia, dois meses antes da viagem a Santiago, quando realizava exames no período de preparação, o taekwondista descobriu a arritmia que forçou uma pausa em sua carreira.

A partir de agosto, Henrique Marques realizou uma série de exames, em diferentes cidades. Corria contra o tempo para disputar o Pan, mas a precaução médica o tirou da competição. O jovem sequer podia realizar exercícios físicos de alta intensidade e, por isso, ficou quatro meses sem treinar. Os resultados dos exames apontaram um caso raro de arritmia cardíaca, que levou Henrique a realizar uma cirurgia em dezembro. Felizmente, o procedimento foi bem sucedido e afastou o risco de uma aposentadoria precoce.

“Pra mim foi tranquilo, porque os médicos, a confederação brasileira e meu técnico me deixaram bem calmo em relação a essa questão de preocupação”, afirmou Henrique, dizendo que a maior chateação foi ver o Pan de longe. “Eu estava bem até de cabeça. Porém, fiquei um pouco chateado, porque eu queria estar lá, era uma competição de nível altíssimo e eu tinha grandes chances de medalha, até mesmo de ser campeão.”

Após a operação, Henrique Marques não precisa de cuidados particulares com seu coração. O taekwondista seguirá apenas um acompanhamento de rotina, com exames periódicos. Já foi uma vitória imensa, considerando que o problema poderia ter encerrado sua carreira precocemente. Mais do que isso, o próprio desempenho físico do taekwondista melhorou depois da cirurgia. “Estou bem, não sinto dor, não sinto nada. Depois que eu fiz essa cirurgia, meu VO2 [volume de oxigênio] melhorou", contou. "Eu me sinto mais disposto, eu me sinto melhor.”

Em janeiro, Henrique Marques voltou aos treinos em intensidade moderada. Já em fevereiro, as primeiras competições mostraram como ele estava em forma, com duas medalhas. As conquistas o levaram a ser escolhido como um dos representantes do Brasil no Pré-Olímpico das Américas de Taekwondo, apesar da concorrência de atletas mais experientes - como Maicon Siqueira, bronze na Rio 2016. “Eu já nem tinha esperanças de ser chamado", afirma. "A surpresa foi muito grande”

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O sonho e o luto rumo aos Jogos Olímpicos

Henrique Marques precisou de duas lutas para assegurar a cota em Paris 2024 durante o Pré-Olímpico das Américas. Nas quartas de final, o brasileiro teve uma vitória tranquila contra Diego Vargas, de Porto Rico. Já a disputa mais apertada aconteceu na semifinal, contra o anfitrião dominicano Moisés Hernández, valendo a vaga. Henrique ganhou os dois rounds, mas por decisão dos juízes, já que nenhum dos lutadores acertou golpes.

Aos 20 anos, Henrique Marques já vai cumprir um sonho de infância nos Jogos Olímpicos. “Desde pequeno eu venho sonhando. Parei pra pensar esses dias que teve na escolinha, pequenininho na creche, uma atividadezinha em que perguntaram a todos os alunos da sala qual era o sonho de cada um. E lembro que, no papelzinho, eu escrevi: ir para as Olimpíadas”, declarou. “Uma palavra que define isso é realização mesmo. E gratidão.”

Antes que Paris 2024 chegasse, porém, Henrique precisou lidar com a perda de seu pai. “Lembro que [meu pai] sempre se emocionava com qualquer conquista ou disputa minha, seja no taekwondo ou em qualquer outra ocasião. Ele tinha seu jeito grosseiro da antiga, mas com um coração mole mole. Odiava mostrar seu lado sentimental e carregava o ditado ‘homem não chora’, mas sempre ficava com os olhos cheios de lágrimas”, escreveu em tributo, em suas redes sociais.

Henrique Marques ainda transmitiu uma mensagem de superação, apesar da dor: "Não quero que sintam pena de mim, mas quero que saibam que a vida de atleta não é nada 'fácil', como muitos dizem ou já disseram por aí. Nós, atletas, abdicamos de inúmeras coisas e passamos por dificuldades na carreira e na vida. Mas os verdadeiros atletas, aqueles que sonham e desejam, tornam isso força e seguem em frente."

"Não sei qual a sua dificuldade e nem a sua situação atual. Se estiver boa, agradeça! Mas se estiver numa situação ruim, também agradeça! Maluquice né!? Mas essa situação vai te tornar ainda mais forte, te dar forças para seguir em frente e servir de inspiração para todos que estiverem no mesmo processo. Então quero que essa história sirva de exemplo que só você pode vencer todos os desafios da sua vida e se tornar mais forte!"

Henrique Marques alimenta até mesmo esperanças de medalha nos Jogos Olímpicos. Embora apareça no 21° lugar do ranking em sua categoria, o brasileiro possui vitórias contra adversários que estão no Top 5. Uma nova reviravolta não será surpreendente, para quem há sete meses estava na mesa de cirurgia depois de um longo tempo sem treinar.

PARIS 2024 | O sistema Olímpico de classificação do taekwondo