Ginástica rítmica: treinadora explica como o Brasil chegou à elite do esporte

Camila Ferezin, comandante do conjunto brasileiro, aponta diversos fatores para a evolução do país na modalidade, incluindo o aumento do número de praticantes, convivência com a equipe da ginástica artística, mudança no código de pontuação, uma nova cultura do esporte e mais.

6 minPor Sheila Vieira
Conjunto brasileiro de ginástica rítmica no Mundial de 2021
(2021 Getty Images)

Enquanto a ginástica artística brasileira conquistava seus primeiros títulos mundiais e Olímpicos, a ginástica rítmica do país apenas sonhava em alcançar o mesmo patamar. O que era uma fantasia agora já pode ser considerado destino.

“Quando assumi a seleção em 2011, me perguntaram qual era a nossa meta. Eu falei top 5. Achavam uma utopia, com a Europa anos luz à frente”, relembra Camila Ferezin, treinadora do conjunto da seleção brasileira de ginástica rítmica, ao Olympics.com.

Em Jogos Olímpicos, o Brasil teve como melhor resultado o oitavo lugar em Sydney 2000 e Atenas 2004 no conjunto. Em Tóquio 2020, em 2021, a equipe terminou na 12a colocação, enquanto a seleção de ginástica artística comemorava as duas medalhas de Rebeca Andrade.

Tudo mudou desde então. O ano de 2022 foi histórico para a rítmica do Brasil, com as primeiras medalhas do conjunto em Copa do Mundo, dois bronzes em séries mistas (competição não-Olímpica). Já no Mundial, veio o top 5 na prova geral, que está no programa dos Jogos Olímpicos, além da quarta colocação na prova de cinco arcos.

Já em 2023, o conjunto formado por Giovana Silva, Maria Eduarda Arakaki, Nicole Pírcio, Sofia Madeira e Victória Borges enfim subiu ao pódio na prova geral, e o país também teve bronze individual, com Bárbara Domingos na fita.

As conquistas não pararam por aí. Na Challenge Cup em Portimão, Portugal, em maio de 2023, o conjunto do Brasil conquistou uma inédita medalha de ouro em uma competição de elite na Europa. Na disputa dos cinco aros, o país obteve 34.000 pontos e ficou à frente da Espanha, segunda colocada, e Itália, terceira. 

“Agora está mais perto [a medalha Olímpica], mas para manter é mais difícil. O holofote cai em cima da gente. O povo da Europa fala ‘quem é esse país que está tirando nossos lugares?'”.

Saiba abaixo como o Brasil alcançou este patamar.

Mais praticantes, mais sucesso

Acredite, o número de praticantes de ginástica rítmica no Brasil é maior que o da artística, mesmo sendo um esporte de só um gênero.

“A nossa modalidade é mais fácil de praticar. A artística tem os aparelhos, que são mais custosos. Na rítmica, se a escola puder comprar arco, bola, fita e ter um local, os alunos conseguem praticar”, explicou a treinadora.

Com campeonatos nacionais e regionais repletos de inscritas, foi implantada a mesma filosofia da seleção, para que as ginastas cheguem prontas ao time.

“Elas estão fazendo coreografias que estão alinhadas com as nossas", disse.

“Conseguimos fazer durante a pandemia muitos estágios que alinharam o trabalho do país todo. Os clubes têm a seleção como espelho.”

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(2021 Getty Images)

Nota artística mais valorizada

O código atual da FIG (Federação Internacional de Ginástica) valoriza mais a nota artística do que no passado, uma mudança que ajudou a ascensão do Brasil.

“A gente tem uma nota que sai de 10 agora. O artístico sempre foi nosso ponto forte, pela nossa cultura, nossa alegria, nossa representatividade”, comentou Camila.

O aumento da nota de partida (dificuldade) do Brasil é a maior diferença deste ciclo.

“Isso é trabalho de formação de ginasta. Conseguimos chegar lá, competindo de igual para igual.”

Onde melhorar ainda mais então? Segundo a treinadora, na execução, que também está ligada ao mental.

“Execução é treino e repetição, mas isso a gente já faz. Na rítmica também tem a hora H, que é emocional. Tem que construir em cada competição, nessa constância. É nosso foco agora ter essa frieza. Nossa modalidade só dá uma chance, pouco mais de dois minutos. Por isso é tão importante estarmos em várias competições”, afirmou Camila.

(2021 Getty Images)

Lições da ginástica artística

Durante a pandemia de Covid-19, as seleções de ginástica rítmica e artística conviveram em Sangalhos, em Portugal. Segundo Camila, foi uma oportunidade de ver a fórmula do sucesso.

“A artística é nossa referência. Logo depois desse período, a Rebeca [Andrade] ganha as medalhas Olímpicas e a gente pensa ‘É possível’. A Rebeca estava treinando do nosso lado e é campeã Olímpica. Abriu nossos olhos”, recorda Camila.

Assim como a ginástica artística, a rítmica faz campos de treinamento da seleção, juntando atletas de diversos clubes e regiões, criando um espírito de equipe.

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Equipe maior, comunicação melhor

A seleção brasileira de ginástica rítmica agora tem entre 15 e 20 profissionais trabalhando com o conjunto e as ginastas do individual.

“A gente vai ganhando mais recursos para fazer nosso planejamento ideal. Nunca participamos tanto de Copa do Mundo, eventos internacionais, como agora. E dessa forma a gente vai construindo a nota ao longo das competições. Nosso trabalho aparece mais”, comentou Camila.

Durante a pandemia, os profissionais da seleção se acostumaram a trabalhar com ferramentas de troca de mensagens e de chamadas de vídeo para fazerem as análises das apresentações de acordo com o código da FIG (Federação Internacional de Ginástica).

“Temos um grupo de metas no qual damos feedback sobre as coreografias, o nosso árbitro viaja e explica o porquê das notas. A nossa ginástica é muito complicada.”

A experiência do conjunto brasileiro, cuja base permaneceu após Tóquio, também é positiva, de acordo com Camila.

“Elas eram jovens em Tóquio, nunca viveram uma Olimpíada, ainda mais na pandemia. Foi difícil o primeiro ciclo com elas, mas elas terem permanecido foi algo que contribuiu com os resultados de agora.”

Uma nova cultura na ginástica

O foco na saúde mental das atletas afetou especialmente a ginástica rítmica, de acordo com Camila, que já esteve do outro lado da relação atleta-treinador.

“A sociedade mudou, melhorou e está focando mais nessa parte [de saúde mental]. Mudamos muitos conceitos na ginástica, formas de trabalhar. As meninas amam o que fazem, treinam felizes e contam com uma psicóloga”, disse.

“A base de tudo é o diálogo. Nós temos conversado muito. A gente se reúne com as meninas todos os dias durante competição, conversa sobre tudo. No passado, a gente não se comunicava tanto. Era só mandar e repetir. Conseguimos unir meninas que querem muito chegar na Olimpíada e sabem que há sacrifícios, mas também tem glórias que duram o resto da vida.”

Próximos passos da ginástica rítmica brasileira

O próximo desafio do Brasil é a World Challenge Cup em Portimão, Portugal, entre 5 e 7 de maio. Mais um passo rumo ao maior sonho, estar no pódio no Mundial em agosto e em Paris 2024.

“Temos uma boa [nota de] dificuldade, meninas experientes, artístico bom. É questão de alinhar a execução e a preparação mental”, resumiu Camila.

“A gente está no páreo. Vamos trabalhar para conseguir uma medalha. É difícil? Muito. Temos cinco vagas agora no Campeonato Mundial e sonhamos com uma medalha nesse torneio. Pela primeira vez, podemos sonhar com isso. E se sonhamos no Mundial, por que não em Paris? Estamos com o pé no chão, mas estamos na briga."
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