Gabi honra a 10 e a faixa da seleção de vôlei nas finais da VNL 2024

Por Leandro Stein
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Gabi durante a Liga das Nações de Voleibol, em 2021.
Foto por Milad Payami

A expressão “10 e faixa” é comum no vocabulário do futebol. O jargão se refere àqueles atletas que são tanto uma referência técnica, com a camisa 10, quanto uma liderança, pela braçadeira de capitão. O contexto do vôlei é diferente, mas dizer que Gabi Guimarães é a “10 e faixa” da seleção cabe bem demais. A ponteira não apenas veste o número 10 e atua como capitã: ela também representa a excelência e a voz de comando. É essencial às pretensões de título do Brasil na Liga das Nações de Vôlei (VNL) 2024 e em Paris 2024.

Gabi está mais do que acostumada a esse simbolismo. A ponteira vai para sua terceira edição dos Jogos Olímpicos com a 10 da seleção. Sabe o que a camisa significa, como comentou ao Olympics.com, em maio de 2022: “Eu realmente gosto, eu gosto de vestir a amarelinha, eu gosto de estar com a seleção, quero estar com as meninas”. Já a posição de capitã é mais recente, premiada pelo técnico José Roberto Guimarães há dois anos. Sua influência vem pela história como atleta e especialmente pelas virtudes como líder.

“É uma responsabilidade grande, mas, ao mesmo tempo, é fácil ser capitã de uma geração que quer muito estar aqui e gosta de trabalhar. As jogadoras se ajudam o tempo todo. Minha função também é essa: ajudar as jogadoras a ter a melhor performance”, declarou Gabi ao Lance!, quando assumiu a função, em 2022.

E uma clara demonstração de todo o impacto de Gabi se nota na VNL 2024. A campanha invicta do Brasil na fase de classificação, algo até então inédito no torneio, tem grande participação da camisa 10. Nenhuma outra jogadora brasileira marcou tantos pontos nesta edição da Liga das Nações quanto Gabi. A capitã decidiu jogos de peso e se agiganta rumo às finais.

O Brasil entra em quadra nesta quinta-feira, às 10h30 (horário de Brasília), quando enfrenta a anfitriã Tailândia pelas quartas de final da VNL 2024. Desde que a competição assumiu o atual formato, em 2018, a seleção brasileira teve três vice-campeonatos e nenhum título. As brasileiras são as maiores campeãs do antigo Grand Prix, com 12 ouros no torneio que antecedeu a Liga das Nações de 1993 a 2017.

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Foto por Volleyball World

A linhagem dos camisas 10 da seleção de vôlei

Por mais que a camisa 10 do Brasil tenha uma associação forte com o futebol, o número também foi vestido por craques do vôlei nacional. Na equipe feminina, antes de Gabi, a jogadora mais identificada com a 10 foi Virna Dias. A potiguar a usou em três edições dos Jogos Olímpicos, de 1996 a 2004. A inspiração para a flamenguista, aliás, veio do próprio futebol: de seu ídolo Zico. A herdeira da 10 foi a mineira Sassá, dona do número no ouro em Beijing 2008. A camisa ficou vaga em Londres 2012, até que Gabi a assumisse para a Rio 2016.

Já na seleção masculina de vôlei, a camisa 10 também é especial. O grande dono do número foi o líbero Serginho, que o utilizou em quatro edições dos Jogos Olímpicos. O craque estava com a 10 às costas quando conquistou o ouro em Atenas 2004 e na Rio 2016. O corintiano igualmente escolheu a 10 por causa do futebol, em homenagem a Neto.

O futebol teve sua influência sobre Gabi durante a infância. A ponteira até é mais conhecida por seu gosto pelo tênis, esporte que praticou quando garota, a ponto de ter um cachorro chamado “Nadal”. Todavia, ela também jogou futebol antes de ingressar no vôlei e aproveitou a habilidade com os pés para facilitar sua vida na quadra. Antes dos treinos, às vezes até brinca de fazer embaixadinhas, tamanha a qualidade da camisa 10.

“Dizer que daria certo no tênis ou no futebol eu não posso, mas eu gosto muito. Eu me lembro que, quando fiz a transição para o vôlei, eu ainda jogava futebol e não tinha roupa para treinar. Eu ia de chuteira e aqueles calções largos, todo mundo ainda se lembra disso e brinca comigo. Em vez de ir com as mãos, eu sempre chutava a bola. A professora ia à loucura. Eu falava que era mais fácil com o pé, porque não precisava cair. Hoje em dia isso me ajuda muito dentro da quadra”, contou Gabi, ao site Hoje em Dia, em 2019.

De qualquer forma, Gabi levou um tempo para se tornar camisa 10, de fato, no vôlei. Ela até usou outros números em seu início na seleção. Durante as categorias de base, o 8 era mais costumeiro. Depois, em seu começo na equipe adulta, a ponteira vestiu a 23. Já em 2013, Gabi assumiu a 10 do Brasil durante o Grand Prix. Com apenas 19 anos, a mineira conquistou o título e foi uma das revelações da competição. Não mudaria mais de número.

A partir de então, a 10 virou parte da identidade de Gabi no vôlei. A ponteira ainda vestia a camisa 1 no Rio de Janeiro, seu clube, e colecionou títulos sob as ordens de Bernardinho. Porém, quando se transferiu ao Minas Tênis Clube em 2018, a craque assumiu a camisa 10 em definitivo. O número também a acompanhou nos seus feitos com o VakifBank ao longo de cinco anos no voleibol turco, incluindo dois títulos da Champions League.

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Brazil's spiker 'Gabi' in action during the 2023 VNL

Foto por World Volleyball

A faixa de capitã de Gabi

Com a camisa 10, Gabi protagonizou diferentes momentos marcantes pela seleção. A ponteira usou o número em Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos, bem como em três títulos do Grand Prix. O 10 estava presente inclusive quando a mineira conquistou a medalha de prata em Tóquio 2020, entre as melhores jogadoras do torneio. Já o passo à frente de Gabi como capitã ocorreu em 2022, quando sua amiga Natália Zilio se aposentou da equipe nacional. Então, a camisa 10 ganhou a “faixa” de José Roberto Guimarães.

"A responsabilidade é muito grande! Ainda mais que tivemos grandes capitãs no passado, mas eu acho que é uma honra muito grande. Fico muito feliz de ter a confiança do Zé, das meninas, um grupo novo. Acaba sendo uma experiência muito nova pra mim, também de muito aprendizado”, comentou Gabi, em entrevista ao Web Vôlei, em 2022.

A mentalidade de Gabi já mostrava como ela poderia ser uma boa capitã, mesmo sem ter ocupado a função anteriormente por clubes - só recebeu a faixa do VakifBank pouco depois. Bernardinho, seu técnico nos tempos de Rio de Janeiro, previa a ascensão de Gabi como capitã um ano antes que ela assumisse o posto. Em participação no Sportv durante os Jogos Olímpicos, como comentarista, o treinador elogiou “o espírito, o amadurecimento, a energia positiva, a inteligência e a perspicácia” da mineira.

O intuito de Gabi como capitã da seleção é o de compartilhar conhecimento e ensinar as mais jovens. Permitir que as novatas entendam o processo e percebam a mentalidade que tornou a seleção brasileira de vôlei tão vitoriosa nas últimas décadas.

“Quando eu cheguei aqui bem novinha, as mais velhas sempre me orientavam, sempre diziam, mostravam pra mim. Eu tenho a sensação de que agora é o meu momento. Elas me perguntam coisas que eu perguntava para as mais velhas. Pra Sassá, Fabizinha, Thaísa, Fabiana", analisou Gabi, ao Web Vôlei. “Eu acho que é isso: passar um pouco do que eu aprendi, orientá-las, fazer entenderem que é um processo. Que tem momentos bons, momentos difíceis, mas o mais importante é a gente se dedicar."

Após a prata na VNL 2022, o primeiro grande desafio de Gabi como capitã da seleção brasileira foi o Campeonato Mundial 2022. A camisa 10 foi eleita uma das melhores ponteiras da competição, líder em recepções e quinta maior pontuadora no geral. O Brasil conquistou a prata, derrotado na final pela Sérvia. E a craque segue atrás de seu primeiro título com a braçadeira.

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Foto por Volleyball World

A “filha do deus do vôlei”

Os Jogos Olímpicos Paris 2024 naturalmente são o maior objetivo de Gabi como capitã da seleção brasileira. Contudo, antes disso, a camisa 10 tem a chance de conquistar uma medalha de ouro na VNL 2024. A competição é um bom teste para indicar o nível do Brasil, e o time de Zé Roberto não tem deixado pedra sobre pedra. Vem sendo um desempenho irretocável, com 12 vitórias em 12 jogos na fase de classificação.

Gabi é a sexta maior pontuadora da VNL 2024, com 190 pontos, a melhor brasileira na estatística. Foram 169 pontos de ataque, além de 11 de bloqueio e 10 de saque. Importante também por seu papel como defensora, a mineira totalizou 55 recepções, atrás apenas da líbero Nyeme na equipe brasileira.

Melhor ainda, as principais atuações de Gabi vieram em jogos grandes. Durante a primeira semana da VNL, a ponteira cravou 24 pontos contra os Estados Unidos, ajudando a encerrar um jejum de cinco anos do Brasil contra as adversárias. Outra atuação marcante aconteceu contra a Sérvia, com 15 pontos de Gabi. Era o dia de seu aniversário de 30 anos e a mineira foi homenageada pela torcida no Maracanãzinho. Já na segunda semana, Gabi maltratou particularmente o Japão, com 24 pontos na virada brasileira.

Gabi foi ainda mais contundente na terceira semana de VNL. Num duelo de invictas, o Brasil derrotou a Polônia e contou com 24 pontos da craque. A atuação da ponteira rendeu um grande elogio do técnico adversário, Stefano Lavarini, que trabalhou com a brasileira no Minas Tênis Clube: ele a chamou de “filha do deus do vôlei”. A afirmação eloquente seria corroborada no jogo seguinte, com mais 28 pontos de Gabi diante da Alemanha.

As finais da VNL 2024 terão Gabi como candidata a melhor jogadora. E a camisa 10 está ciente do papel, como referência e liderança. “Minha maior preocupação é, primeiro, ser um exemplo para elas. Para que elas entendam qual é o caminho ser seguido. O mais importante é conseguir ajudá-las a performar melhor, que o grupo tenha essa mentalidade vencedora. Entender qual é objetivo desse ciclo, que é conquistar uma grande competição - nos tornarmos campeãs olímpicas. Nós trabalhamos para isso”, falou, ao jornal O Globo.

“É claro que, pensando 11 anos atrás, quando eu ingressei na seleção, não tinha esse pensamento que algum dia poderia me tornar capitã. Mas tive grandes referências de líderes, não só de capitãs com a faixa, mas de lideranças muito fortes dentro dos grupos”, complementou. “Grandes exemplos de disciplina, de comprometimento, do dia a dia. Essa mentalidade vencedora. E é isso que tento fazer.”

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