Catarina Costa concilia judô com estudos em medicina: ‘É preciso acreditar que tudo é possível’
A seleção portuguesa feminina de judô teve em 2023 um dos seus melhores anos na história. Foram nove medalhas em etapas de Grand Slam (GS), principal escalão do circuito internacional da modalidade. Três foram de Catarina Costa em um total de 13, desde sua primeira em GS, conquistada em 2019.
Também medalhista de prata no Europeu do ano passado, Catarina é grande responsável pelos bons resultados de Portugal na modalidade. “O ponto chave foi nós termos ajustado então nosso planejamento”, explica. “Acho que o fato de sermos muito unidas acaba por sobressair nas competições e nos apoiamos muito umas nas outras. Sabemos também que podemos contar umas com as outras e acho que acaba por fazer a diferença.”
À medida em que Paris 2024 se aproxima, esta judoca coimbrense de 27 anos acumula bons resultados nas últimas temporadas. Tudo bem - em um primeiro olhar. Os Jogos se aproximam e é natural para qualquer atleta obter a sonhada vaga. Para ela, será sua segunda participação Olímpica.
No entanto, conquistar isso tudo dando a volta ao mundo por ippons e waza-aris, somados aos livros e à pesada rotina de uma estudante de medicina, é bem pouco comum.
Uma história única, que Catarina contou abaixo em entrevista para o Olympics.com.
A (pouco comum) escolha em conciliar a medicina com a vida de atleta
“Uma máscara, uma bata e um estetoscópio, e ninguém me nota”, pensava Catarina. Pois bem. Um disfarce que durou pouco. Depois de uma semana, lá estava ela a distribuir assinaturas para médicos, colegas estudantes e pacientes pelos corredores e quartos do Hospital da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Conhecem-na por “campeã do judô” e está no décimo ano do curso de medicina. “Dez anos já no curso, fiz alguns parciais para poder aproveitar a minha carreira de atleta de alto nível.”
“Não é fácil de todo conciliar. O curso é exigente, bastante exigente.”
Sem pais ou familiares ligados à profissão, é uma escolha de curso superior nada convencional para uma atleta, mas confessa que gosta da ideia de, de alguma maneira no futuro, continuar vinculada ao esporte.
Bastante estudiosa e com excelentes notas no secundário (equivalente ao ensino médio no Brasil), Catarina acabou por optar pela medicina. Disse encontrar, na profissão, uma maneira de ajudar os outros, algo que carrega como princípio de vida e que também a move no universo do esporte.
Dedicar-se à medicina e largar o judô nunca foi opção
Enquanto se destacava nos tatames, com bons resultados em cadetes nos Campeonatos Europeus e Mundiais, Catarina foi aceita na Faculdade de Medicina.
Situação que provocou a reação de colegas e treinadores: “Vieram perguntar se eu ia desistir do judô. Como eu ia fazer já que entrei em medicina? Não percebi essa pergunta, fiquei muito confusa. E questionaram como eu ia fazer”, resgatou.
“Eu vou continuar no judô e pretendo continuar na alta competição”, lembrava-se, de maneira enfática. “Até onde desse. Não sabia como ia ser, mas de algo tinha certeza, que ia continuar.”
Continuou.
Chegada à seleção portuguesa
As boas temporadas como júnior renderam-lhe convite para treinar com a equipe portuguesa adulta. “Telma Monteiro, Joana Ramos, Jorge Fonseca me acolheram muito bem e me ajudaram muito”, revelou.
Em 2018, teve a primeira chance de integrar o time em uma competição. Era o Open em Odivelas, seu primeiro pódio sênior. Era a oportunidade que precisava. Um mês depois, faturou a prata no Grand Prix (GP) de Agadir (Marrocos). Trinta dias mais tarde, o ouro no GP de Antalya, na Turquia.
Resultados que levaram-na ao primeiro Mundial, em setembro de 2018. “Fiz uma excelente competição. Foi um pouco ingrato ficar tão perto do pódio, em quinto lugar. Fiz seis combates e só perdi para a número um do meu peso e para a campeã Olímpica na disputa do bronze”, comentou.
Catarina consolidava, ali, o seu nome como um dos melhores do judô de Portugal.
Resiliência e disciplina: exemplos que vêm de casa
Lidar com alta carga de estudos e a rotina de um atleta de alta competição não é tarefa fácil. É preciso disciplina, planejamento, atitude e manter-se em seus ideais e objetivos. Fiel em seu propósito. Em outras palavras, resiliência.
“É algo que reconheço em mim desde muito pequena”, confessou. “Fui percebendo que eram características para o sucesso no esporte e na universidade.”
“Para uma pessoa que quer alcançar grandes coisas, sem disciplina vai ser muito difícil conseguir.”
Ao refletir sobre o tema, a judoca recorda-se dos exemplos que tem na família. Da mãe, no modo como criou ela e sua irmã e da avó, Maria Clara, já falecida: **“**Nunca a vi parar ou baixar os braços, fazia sempre tudo na mesma. Era uma mulher super bem disposta.”
Ser exemplo e ajudar o próximo: o que move a judoca
Catarina não deixa dúvidas de que uma medalha Olímpica terá uma grande importância em sua carreira, e que é para isso que trabalha. Os Jogos de Paris já mexem com ela: "Estou ansiosa, mas aquela cidade [Paris] acaba por ser especial. Vou competir na frente de grandes amigos em um lugar que tenho muito carinho."
Entretanto, antes de participar dos Jogos e obter uma eventual medalha, ela enfatiza que o principal para ela é o exemplo que deixa. Importante palavra no vocabulário da judoca, aliás: exemplo, dita diversas vezes durante a entrevista. Sem se esquecer do que a fez escolher a medicina: poder ajudar os outros.
“[O judô] nunca foi pela fama. O que eu pretendo acima de tudo é ser um exemplo para os mais novos, inspirar os mais novos a ajudar os outros”, revelou. “Quero mesmo conseguir mudar um pouco a mentalidade das crianças, para que acreditem que tudo é possível. Não só uma medalha Olímpica, mas os sonhos que elas possam ter.”
Retribuir e inspirar. Ser exemplo. Ajudar o próximo. Ações que orientam Catarina no judô, nos estudos e na vida.
Uma trajetória de amor e dedicação ao coletivo, ao grupo, à família e de onde é, sua Coimbra, em que fez questão de dizer: “Cidade que me viu nascer e crescer.”
Através de dois bastiões da sua terra natal que Catarina conquista o mundo. Na medicina, pela centenária Universidade de Coimbra: “Me enche de orgulho ser parte dela”. No judô, pelo inconfundível emblema da Académica, que acaba por ser seu clube do coração, influenciada pelo avô Domingos Mesquita e pelo tio, Francisco, o “Chico”: “Foram grandes academistas e cultivaram essa paixão em mim.”
Paixão que move e orienta Catarina em tudo o que faz, desde bem pequena. Foi por um acaso que começou no judô. Tinha 10 anos e jogava futebol no pátio da escola, durante o recreio. Ao observá-la jogar, o treinador João Abreu fez-lhe convite para vestir o judogi. “Ele disse à minha mãe para convencê-la de treinar ‘que eu era uma em um milhão’”, relembrou Catarina aos risos.
João Abreu estava certo. Mas não foi ao acaso que a judoca evoluiu. Em menos de um mês, avançou de faixa pela primeira vez, da branca para a amarela, através do exemplo. Era o prêmio por um compromisso assumido.
Um primeiro gesto que, como quase sem querer e movida pela paixão, serviu de base de uma vitoriosa carreira, que pode brilhar em Paris.
**“**Eu acho que é o melhor exemplo para alguém é ver a pessoa fazer as coisas”, terminou.