Há 20 anos, Guga derrotava Roger Federer em Roland Garros; relembre partida
Sábado, 29 de maio de 2004. Há 20 anos, os principais tenistas do circuito também disputavam o torneio de Roland Garros, segundo Grand Slam da temporada, e Gustavo Kuerten estava lá. Na terceira rodada, iria encarar ninguém menos que Roger Federer.
À época, o brasileiro vinha apenas como número 30 do ranking da ATP, já prejudicado pela lesão no quadril que o faria se aposentar quatro anos depois, também no Slam francês.
Por sua vez, um jovem Federer disputava seu primeiro Major como principal cabeça de chave, após chegar ao posto de número um do mundo pela primeira vez em fevereiro daquele ano.
Não era preciso uma análise profunda nos números e no desenvolvimento da temporada de cada um para apontar o suíço como favorito à vitória aquele dia na quadra Philippe-Chartrier, a principal do complexo de quadras de saibro parisiense.
Entretanto, não foi bem isso que aconteceu: Guga triunfou por triplo 6/4, acabando com as chances de Federer conquistar Roland Garros naquele ano.
Vinte anos depois daquela partida, o Olympics.com relembra alguns detalhes daquele que foi um dos confrontos mais importantes da carreira de Gustavo Kuerten.
'Entrei em quadra meio nervoso e apreensivo,' disse Guga
Na autobiografia "Guga, um Brasileiro", lançada em 2014, o ex-tenista dedicou alguns parágrafos à partida. Ele tinha plena consciência de que o suíço era o favorito, mas traçou junto ao técnico Larri Passos, que o acompanhou durante praticamente toda a carreira, uma estratégia para sair com a vitória.
"Eu tinha que tentar abater o leão na base da astúcia. Precisava usar a cabeça para levá-lo a uma armadilha (...) Para ganhar, eu precisava da colaboração do adversário. Então eu precisava administrar a partida de um jeito que o induzisse a tomar as decisões erradas," comentou Kuerten no livro:
"Entrei em quadra meio nervoso e apreensivo. A minha cabeça era um turbilhão que tentava gerenciar todos os processos necessários para desempenhar bem. Procurava manter a confiança altíssima, para ter alguma chance, e a expectativa minúscula, para, se alguma coisa desandasse, não me atolar na frustração. A minha própria cabeça era um quebra-cabeça, sempre tentando juntar as peças".
A estratégia deu certo: ele começou logo quebrando o saque de Federer. Apesar de ter sido quebrado logo em seguida, estava estabelecida a confiança de que ele precisava. Sacando bem no restante da parcial e com um grau de acerto "espantoso", mesmo que não fosse no mesmo nível dos golpes de anos anteriores, ele fechou em 6/4.
Federer precisava arriscar, mas errava
O alto nível de acerto nos golpes de Guga fez com que Federer passasse a arriscar mais na partida, tomando algumas decisões erradas no caminho. Sempre que o suíço tentava uma reação, lá estava Guga com uma e outra bola certeira para segurar o ímpeto do cabeça de chave um.
"Três anos atrás, o poder de decisão de uma partida estava todo na minha mão. O cara podia fazer chover que eu continuava com a convicção de que não ia ter salvação para ele e que o jogo era meu. Eu podia ganhar ou perder, mas o domínio da situação estava sempre ao meu alcance. Mas agora isso não existia mais," destacou Guga em sua autobiografia.
Com isso, não restava ao brasileiro outra opção senão acertar mais e mais, forçando os erros do rival e impedindo que ele usasse o seu poder de decisão. E foi assim que ele também fechou o segundo set com os mesmos 6/4.
"Eu era conduzido por uma frase que não saía da cabeça desde o começo da partida: 'Cara, tu pode até ser o melhor do mundo, um dos maiores da história, mas este lugar aqui me pertence," comentou o catarinense.
Antes do fim do terceiro set, a certeza do triunfo
No livro, Gustavo Kuerten conta que ele e Federer já sabiam que o jogo tinha acabado, e a favor do brasileiro.
"Era mais uma prova de que o grande vencedor não era aquele considerado o favorito nem o mais preparado, mas sim o jogador que, independentemente dos pepinos que aparecessem, encontrava uma saída," comentou.
O terceiro set também terminou com placar de 6 a 4. E estava selada ali uma das maiores partidas de um tenista brasileiro em Roland Garros.
O catarinense carinhosamente apelidou aquela vitória de "saci-pererê", por ter sido em uma perna só - devido às suas condições físicas. Guga só parou nas quartas, diante do argentino David Nalbandian, e poderia até ter obtido seu quarto título no saibro francês.
A taça não veio, mas aquele triunfo de 20 anos segue sendo relembrado como um exemplo de que grandes campeões nunca devem ser subestimados quando estão "em casa".